
Investigação em Mundo Novo começou após descoberta de esquema em Glória de Dourados – Foto: Divulgação
A abertura de um inquérito civil pela Promotoria de Mundo Novo, nesta sexta-feira, para investigar a contratação de um escritório de advocacia, revela a possível existência de um grande esquema, supostamente ilegal, que pode ter provocado rombo milionário em pelo menos 12 prefeituras de Mato Grosso do Sul.
O inquérito aberto em Mundo Novo pelo promotor Fábio Adalberto Cardoso de Morais investiga a contratação, sem licitação, do escritório Nunes Golgo & Alves Sociedade de Advogados, que tem unidades em Campinas (SP) e Porto Alegre (RS).
Sob a promessa de que faria a recuperação de R$ 2,16 milhões que a prefeitura supostamente tinha com a Previdência Social, o escritório recebeu em torno de R$ 430 mil da gestão pública, o que equivale a 20% do valor que supostamente conseguiu recuperar para os cofres municipais.
A dúvida, porém, é se este dinheiro realmente foi recuperado. E esta dúvida surgiu depois que o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) confirmou, em dezembro do ano passado, um prejuízo de R$ 2.169.494,71 nos cofres da prefeitura de Glória de Dourados.
Este rombo, segundo o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) e o próprio TCE-MS, teria sido provocado por este mesmo escritório de advocacia.
Parte deste rombo, de R$ 1,003 milhão, é referente a pagamentos indevidos aos advogados, e o restante, de
R$ 1,165 milhão, relativo a juros e multas aplicados pela Receita Federal referentes aos valores indevidamente compensados.
Por conta do não pagamento de R$ 3.943.499,18 em tributos, da multa e dos juros, no fim do ano passado, a prefeitura de Glória de Dourados tinha uma dívida de R$ 5.618.751,73 com a Receita Federal.
Tudo porque durante vários anos seguiu a orientação dos advogados e deixou de recolher parte dos impostos trabalhistas. A prefeitura tenta parcelar a conta em 20 anos ou 240 vezes.
Ou seja, o TCE-MS descobriu que o escritório convenceu o prefeito a não pagar a Previdência sob o argumento de que os municípios tinham créditos relativos aos cinco anos anteriores.
Antes de o caso ter tramitado até as últimas instâncias, os advogados receberam os 20% do município. Mas depois a Receita Federal apareceu e agora cobra as dívidas, com juros e multa.
Ao perceber o rombo, o TCE-MS pediu explicações ao prefeito de Glória de Dourados, Aristeu Pereira Nantes, que comandou a prefeitura de 2016 até o fim do ano passado. Ele informou ao órgão que instaurou procedimento interno na prefeitura, mas não conseguiu mais encontrar os advogados para exigir explicações.
Desaparecidos
Apesar de terem desaparecido do radar do prefeito de Glória de Dourados, estes mesmos advogados têm ou tiveram contratos semelhantes com outras 11 prefeituras de Mato Grosso do Sul (Selvíria, Inocência, Tacuru, Eldorado, Iguatemi, Bataguassu, Corguinho, Deodápolis, Figueirão, Chapadão do Sul e Mundo Novo), e a suspeita é de que todas elas tenham caído no mesmo “conto de fadas”.
Os advogados também já haviam sido questionados pelo Ministério Público de Glória de Dourados e alegaram que foi a prefeitura que perdeu os prazos e não soube se defender diante da Receita Federal.
O escritório informou, inclusive, que chegou a elaborar uma defesa a ser entregue à Receita, mas esta suposta defesa nunca foi apresentada ao TCE-MS ou ao MPMS.
O relator do caso relativo a Glória de Dourados no TCE-MS foi o conselheiro Márcio Monteiro, que já foi secretário de Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul e, supostamente, tem conhecimento sobre legislação tributária.
Bloqueio de bens
Com base neste conhecimento, no dia 5 de dezembro do ano passado, Monteiro atendeu a um pedido do MPMS e concedeu liminar bloqueando bens do prefeito e de três advogados (Michelle Soares Nunes Golgo, André Golgo Alves e Cláudio Roberto Nunes Golgo).
Depois deste bloqueio de bens para tentar devolver aos cofres de Glória de Dourados o valor de R$ 2,169 milhões, a Promotoria daquele município acionou os promotores das outras cidades onde os advogados emplacaram contratos semelhantes.
Resumidamente, o golpe consiste em convencer os prefeitos a não pagar determinados impostos federais sob o argumento de que em anos anteriores pagaram além do previsto. Do valor que os prefeitos deixavam de recolher, 20% eram repassados aos advogados.
Depois do fim do contrato, a Receita Federal começou a cobrar as prefeituras e ainda aplicou pesadas multas e juros. Os advogados, porém, já haviam recebido seu pagamento.
E foi com base no caso de Glória de Dourados que a Promotoria de Mundo Novo abriu, no começo deste ano, uma investigação, transformada agora em inquérito civil. Até agora o promotor já descobriu que o escritório recebeu pouco mais de R$ 432 mil em Mundo Novo.
A Promotoria não descobriu, no entanto, se a Receita Federal também está fazendo cobranças retroativas dos impostos que deixaram de ser recolhidos de 2022 a 2024 em Mundo Novo.
LEVANTAMENTO PRECISO
O escritório de advocacia atua em prefeituras de Mato Grosso do Sul desde 2018 e o contrato mais recente foi assinado em Chapadão do Sul, no ano passado.
Antes de assinar contrato, os advogados chegavam às prefeituras dizendo que foram realizados levantamentos precisos dos valores pagos a mais, com a respectiva indicação individualizada do amparo jurídico, possibilitando relacionar cada um deles à sua origem, bem como ao tipo de crédito e fundamentação.
Eles citavam, por exemplo, o recolhimento de imposto relativo a adicional por tempo de serviço, horas extras, auxílio-educação, um terço de férias e outros benefícios salariais de servidores.
Na alegação deles, os impostos relativos a estas parcelas dos salários não deveriam ser pagos e era possível recuperar este dinheiro. Os prefeitos acreditaram, assinaram contrato sem licitação e agora estão caindo na mira do MPMS e do TCE-MS.
*SAIBA
Advogados diziam ter feito levantamento
Os advogados diziam que haviam feito levantamentos precisos dos valores pagos a mais, com a respectiva indicação do amparo jurídico. Eles citavam, por exemplo, o recolhimento de imposto relativo a adicional por tempo de serviço, horas extras, auxílio-educação, um terço de férias e outros benefícios salariais de servidores. Eles convenciam a administração pública de que não precisava pagar esses valores à Receita Federal, que agora cobra dos municípios os impostos devidos. Fonte: Correio do Estado