
Dormindo em barracas improvisadas, sem acesso à luz ou a banheiro, cada trabalhador recebia R$ 20 por poste de cerca colocado – Foto: MPT/MS
Durante inspeção do Ministério Público do Trabalho (MPT-MS), sete trabalhadores de origem paraguaia foram resgatados de uma fazenda de criação de gado, em Bonito, a 259 km de Campo Grande.
Em atuação conjunta, a equipe de Fiscalização do Trabalho, a Polícia Militar Ambiental (PMA) e a Polícia do Ministério Público da União encontraram os trabalhadores em situação degradante de escravidão contemporânea.
Cabe ressaltar que, em 2017, a fazenda passou por outra inspeção, na qual os fiscais verificaram atrasos recorrentes no pagamento dos salários, e foi celebrado um acordo para a quitação das dívidas trabalhistas.
Resgate
Um dos paraguaios, que trabalha há mais de dez anos na fazenda realizando diversas atividades, como construção de cercas, roçadas e limpeza de campo, disse que, durante todo esse tempo, ficou sem registro na carteira de trabalho.
Quando foram recrutados, em janeiro deste ano, em território paraguaio, por um funcionário da fazenda, parte do grupo seguiu de moto e o restante foi de ônibus até Bonito.
No município, foram levados de caminhão até a propriedade. O empregador repassou R$ 6 mil, dizendo que era para cobrir os custos do transporte e fornecer apoio às famílias. Esse dinheiro acabou se tornando a primeira dívida.
“Já chegamos devendo”, lembra o depoente.
Para ter onde dormir, os trabalhadores precisaram armar barracos improvisados com troncos de árvores e lonas plásticas. Eles dormiam em “tarimbas”, que são camas feitas com galhos, sobre as quais jogaram colchões velhos trazidos do Paraguai.
Foto: MPT-MS
Sem estrutura sanitária, tinham que fazer suas necessidades fisiológicas no mato e tomavam água de um córrego, armazenada em galões de óleo cortados e reutilizados para esse fim.
O banho era tomado ao ar livre. Eles sequer tinham acesso a energia elétrica ou a qualquer estrutura básica.
Outro ponto relatado foi que nunca receberam equipamentos de proteção, mesmo utilizando motosserra, sem qualquer tipo de capacitação para operar o equipamento.
Como pagamento, recebiam R$ 20 por poste ou diárias que variavam de R$ 100 a R$ 150.
Nenhum dos paraguaios foi registrado. Enquanto os funcionários da fazenda que cuidavam do gado estavam com a situação regular, cabia aos estrangeiros cuidar das cercas, inclusive em áreas isoladas e afastadas da sede da propriedade rural.
Mesmo lidando com ferramentas pesadas, o acampamento não contava com kit de primeiros socorros. O trabalhador contou que voltava para casa, em Bella Vista do Norte (PY), a cada 40 dias – com o transporte pago pelos próprios trabalhadores.
Acordo
Após o flagrante, foram firmados, no último dia 12 de junho, três Termos de Ajuste de Conduta (TACs) junto ao Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS).
No acordo, o proprietário da fazenda concordou em indenizar as vítimas por danos morais individuais, com valores entre R$ 60 mil e R$ 90 mil. O cálculo teve como base o valor do salário de cada trabalhador, multiplicado por 20, considerando o período em que os abusos ocorreram.
Os trabalhadores receberam as verbas rescisórias em espécie. O pagamento foi feito na presença do procurador do Trabalho, Paulo Douglas Almeida de Moraes, e de auditores-fiscais que atuaram no caso.
Ficou estabelecido que o empregador deverá fazer o registro retroativo de todos os imigrantes, além de disponibilizar a documentação e custear todas as despesas referentes aos desligamentos, tanto no Brasil quanto no exterior.
Essas obrigações seguem o que foi apontado na planilha elaborada pela Fiscalização do Trabalho.
O acordo também prevê o recolhimento integral do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), retroativo ao período em que houve vínculo de trabalho, além da multa adicional de 40% sobre o saldo de FGTS de cada trabalhador.
Regularização
O proprietário rural tem o prazo de 120 dias para efetuar os recolhimentos por meio do aplicativo FGTS Digital e deve comprovar que cumpriu a obrigação no processo aberto pelo MPT-MS.
Dignidade do trabalhador
Além do pagamento aos trabalhadores, o fazendeiro concordou com o cumprimento de 20 obrigações para evitar a repetição de práticas abusivas no ambiente de trabalho.
Esse acordo envolve todas as empresas do grupo econômico do empregador. Entre os compromissos firmados estão:
- registro, em livro, ficha ou sistema eletrônico competente, de todos os trabalhadores resgatados;
- proibição de manter outros empregados sem vínculo formal;
- fornecimento gratuito de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs);
- realização de exames médicos admissionais e periódicos;
- disponibilização de material para primeiros socorros (com uma pessoa treinada para esse fim);
- garantia de áreas de vivência com instalações sanitárias, locais para refeição e dormitórios compatíveis com a legislação trabalhista;
- promoção de treinamentos para operadores de máquinas e equipamentos;
- proibição de submeter empregados a regime de trabalho forçado ou em condições análogas à escravidão;
- garantia de transporte gratuito para trabalhadores migrantes, de ida e volta, entre suas cidades de origem e o local de trabalho, entre outras obrigações.
- Em caso de descumprimento de qualquer cláusula, será aplicada multa de 100% sobre o valor devido, com penalidades que podem chegar a R$ 9 mil por
- infração. Esse valor poderá ser dobrado em caso de morte ou acidentes graves decorrentes da ausência de condições adequadas de trabalho.
O documento também prevê que o pagamento das multas não isenta o empregador do cumprimento das obrigações principais. Fonte: Correio do Estado