
Jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, foi morta pelo ex-noivo – Foto: Reprodução/instagram
Áudio da jornalista assassinada, Vanessa Ricarte, de 42 anos, revelando o descaso do atendimento oferecido pela Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) – Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande (MS), causou grande repercussão e chegou até o Ministério das Mulheres, em Brasília (DF).
O áudio, de 4 minutos e 4 segundos, gravado pela vítima horas antes de morrer, revela que a equipe da DEAM não deu a assistência e atendimento necessários à jornalista.
Vanessa disse, na gravação, que a equipe da DEAM a atendeu de maneira fria, seca e que ficou impactada com o descaso no atendimento oferecido à mulher vítima de violência.
“Fui tentar explicar toda a situação e a delegada me tratou bem prolixa sabe, bem fria e seca. Eu estou bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Se eu, que tenho toda a instrução e escolaridade, sou tratada dessa maneira, imagina uma mulher vulnerável, uma pobrezinha, chegar lá toda vulnerável, sem ter uma rede de apoio nenhuma… Essas que são mortas, essas que vão para a estatística do feminicídio”, contou a jornalista a uma amiga, por meio de áudio, em um aplicativo de mensagem.
Caio tem passagens pela polícia por violência contra outras mulheres e Vanessa queria entender melhor a ficha criminal do ex-noivo, mas, a delegada se recusou a falar.
“Ela falou para mim que não podia passar o histórico dele, mas que eu já sabia, porque ele mesmo tinha falado de agressões. Aí eu falei, não, eu queria entender a natureza dessas agressões, Aí ela falou, não, você não vai, eu não posso passar isso aí, é sigiloso. Parece que tudo protege o cara, o agressor”, detalhou a vítima.
Na quinta-feira, as delegadas da DEAM, Elaine Benicasa e Analu Ferraz, afirmaram, em coletiva de imprensa, que todo o apoio da Polícia Civil foi prestado à jornalista, inclusive com oferecimento de alojamento e abrigo na DEAM, mas, o áudio gravado pela jornalista, contradiz o discurso feito pelas delegadas.
O áudio impactou a sociedade sul-mato-grossense, gerou indignação, comoção, escândalo nas redes sociais na noite desta sexta-feira (14) e foi parar em Brasília. Por conta do ‘alvoroço’, o Ministério das Mulheres divulgou uma nota oficial na madrugada deste sábado (15).
A nota diz que o Ministério das Mulheres encaminhou um ofício à Corregedoria da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul solicitando a abertura de procedimento investigativo para apurar o atendimento prestado à jornalista Vanessa Ricarte e ao Ministério Público a respeito de providências a serem tomadas.
A equipe do Ministério das Mulheres vem a Campo Grande, ainda neste final de semana, para dialogar com representantes da rede de atendimento.
De acordo com o órgão, o percurso de Vanessa até sua casa não poderia ter ocorrido sem a escolta da Patrulha Maria da Penha, de acordo com o protocolo de avaliação de risco para mulheres em situação de violência e que orienta o atendimento na Casa da Mulher Brasileira.
O assassinato de Vanessa acende uma série de erros da segurança pública na assistência prestada ao atendimento da mulher vítima de violência.
Leia a nota na íntegra:
“No papel de monitorar, supervisionar e fiscalizar a efetividade das políticas e serviços destinados a mulheres em situação de violência, o Ministério das Mulheres encaminhou um ofício à Corregedoria da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul solicitando a abertura de procedimento investigativo para apurar o atendimento prestado à jornalista Vanessa Ricarte, vítima de feminicídio na última quarta-feira, e ao Ministério Público a respeito de providências a serem tomadas.
Em áudio veiculado nesta sexta-feira (14), Vanessa descreve ter informado, durante atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Campo Grande, a decisão de retornar até sua casa, onde estava o agressor, Caio Nascimento. O percurso não poderia ter ocorrido sem a escolta da Patrulha Maria da Penha, de acordo com o protocolo de avaliação de risco para mulheres em situação de violência e que orienta o atendimento na Casa da Mulher Brasileira.
A equipe do Ministério das Mulheres viaja a Campo Grande ainda neste final de semana para dialogar com representantes da rede de atendimento. O órgão se solidariza com familiares, amigos e amigas de Vanessa e reafirma o compromisso de atuar pela prevenção e enfrentamento a todos os tipos de violência contra as mulheres, em especial o feminicídio, com investimentos em diversas políticas públicas focadas em informação e em atendimento. Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada”.
O Assassinato
Jornalista, Vanessa Ricarte, de 42 anos morreu esfaqueada pelo noivo, Caio Nascimento, de 47 anos, na noite de quarta-feira (12), no Jardim São Bento, em Campo Grande.
Ela foi socorrida e encaminhada ao Hospital Santa Casa, passou por cirurgia, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu. A morte foi confirmada por amigos em um grupo de jornalistas do WhatsApp às 23h55min de quarta-feira (12).
Caio está preso na DEAM.
Eles namoravam há 4 meses e moravam juntos. Ele tem passagens pela polícia por roubo, tentativa de suicídio, ameaça e violência doméstica contra a mãe, irmã e outras namoradas.
A jornalista iria completar mais um ano de vida no próximo domingo (16). Ela era assessora de imprensa do Ministério Público do Trabalho (MPT) e se formou em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Confira a íntegra do áudio de Vanessa Ricarte enviado a um amigo:
Não aconteceu nada, porque assim, eu fui falar com a delegada, fui tentar explicar toda a situação e do jeito que ela me tratou também, bem prolixo, sabe? Bem fria, seca e ela toda hora me cortava assim, eu queria entender, quem que é essa pessoa? Vê o histórico da pessoa e falou para mim que não podia passar o histórico dele, mas que eu já sabia, porque ele mesmo tinha falado de agressões.
Aí eu falei: “Não, que eu queria entender a natureza dessas agressões”. Porque ele falou para mim que foi porque a mulher ameaçou a filha dele, enfim. Aí ela falou: “Não, você aí, você não vai falar, eu não vou, não posso te passar isso aí, é sigiloso, sigilo”. Sim, parece que tudo protege o cara, né, o agressor. E aí ainda não foi nem mandado, tem que ter um mandado, né, judicial.
Então, hoje, por exemplo, não tem como ele assinar essa medida protetiva e passou aqui o telefone da oficial de justiça, né? Passou a senha do processo para eu ficar consultando. E do boletim de ocorrência, ela falou que não adianta acrescentar, porque não vai mudar muita coisa, porque já foi para o judiciário.
E ele tá aí me perguntando, se eu falo com você, seu pai conversa comigo, você não conversa nada. Eu falei, mas eu preciso voltar para a minha casa, preciso tomar banho, faz dois dias que eu não tomo banho, troco de roupa. Aí ela ‘então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para deixar a casa’. Então assim, eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma, eu vou ter que ir lá na casa e vou falar com ele isso aí.
Se ele falar que ele não vai sair, aí eu vou ter que acionar a polícia. Aí meus pais estão vindo, já vão brigar comigo, tudo porque [vão] falar que eu fui precipitada, que esse cara depois vai me matar e tal, não tem o que fazer, porque ele só vai preso se tiver flagrante. Por isso que ele não foi preso no caso da Leca, né? Ele fugiu do local do crime. Ele não tinha flagrante, não sei como que esse cara não foi preso depois.
E, eu tô aqui, pensando, raciocinando o que a gente pode fazer. E se for preciso, sei lá, aciona a doutora Cantes para ela acionar o MP, que é através do marido dela. Sei lá. É uma coisa desse sentido, é uma via que eu tenho, né?
E é isso, assim, eu tô bem, bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira, sabe? Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá, pobrezinha, vamos dizer assim, chegar lá toda vulnerável sem ter uma rede de apoio nenhuma. Chegar lá, essas que são mortas, né?
Essas que vão para estatística do feminicídio. E é isso. Eu tô esgotada mentalmente falando. Perdida, sabe? Tô decepcionada. Aí eu tô me sentindo culpada, porque eu fui registrar o BO hoje de madrugada. Sabe, não briga comigo.
É uma coisa assim que eu fiquei chateada com meu pai falando: “Não, esse cara pode pegar depois, você não sabe o que vai dar e tal, não sei o quê”. Então, eu fazendo ou não fazendo pelo que você disse, né? Eu não fazendo ou fazendo o boletim de ocorrência, ele pode me agredir de qualquer maneira, né? Fonte: Corrreio do Estado e Campo Grande News