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”Gravo bebendo cerveja para a voz ficar rouca”, diz Zeca Pago

por Redacao
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Zeca Pagodinho

Conforme foi fazendo mais e mais sucesso popular, a voz de Zeca Pagodinho se tornou uma das pontes eficazes entre os compositores do samba –estreantes ou veteranos– e o grande público.

Apesar de ser também ele um compositor, acabou por deixar o trabalho autoral em campo secundário.

“Tem tanta gente precisando ganhar um dinheirinho, não vou ficar gravando música minha”, diz, assumindo o papel de intérprete que, no passado, pertencia essencialmente às cantoras.

O baú de canções inéditas, portanto, está cheio. Mas Pagodinho prefere mantê-lo fechado. Segundo afirma, não vê entre os artistas da nova geração quem possa gravá-las de modo satisfatório.

“Antigamente, a gente fazia um samba e tinha, pra cantar, a Beth [Carvalho], a Alcione, o Roberto Ribeiro, o João Nogueira, o Agepê, o [grupo] Exporta Samba, o Mussum”, enumera. “Hoje, quem tem aí pra gravar samba? Eu não conheço.”

Diz reconhecer a importância do trabalho dos artistas da nova geração –que, desde a revitalização da Lapa carioca no começo da década passada, vem se dedicando a estudar, criar, cantar e divulgar o samba. Mas confessa suas restrições.

“O que eles fazem é legal –mas não muito. Vamos dizer assim: tem lugar pra todo mundo, mas cada um no seu lugar”, ele diz, e sorri com o bom efeito da própria frase.

Pagodinho não cita nomes, mas expõe as razões que, na prática, criam a incompatibilidade.

“Nêgo muda muito [o espírito da composição], é complicado. Se eles fizessem como a gente quer que seja feito…”, afirma. “A gente vem de outro conceito, esse é que o problema.”

 ROUCO

Há uma semana exata, por volta das três da tarde, Pagodinho gravava a voz definitiva em “Chama de Saudade”, samba de Beto Sem Braço e Serginho Meriti. Colocava, naquele momento, o ponto final em “Vida da Minha Vida”, seu próximo álbum.

Ao contrário de quase todos os outros cantores do mundo, Zeca não vê problemas em cantar de manhã. Também não aquece a voz.

“Eu gravo bebendo cerveja pra voz ficar rouca”, diz, enriquecendo sempre o caráter personagem do personagem que construiu para si. “Se a voz sair muito certinha, ninguém vai acreditar que é o Zeca Pagodinho cantando.”

O trabalho está sob o comando do veterano Rildo Hora, que produziu clássicos de Beth Carvalho e Martinho da Vila a partir dos anos 1970, e trabalha nos discos de Zeca há mais de uma década.

“É só ele estar bem humorado e com a cuca legal que não dá nenhum trabalho pra mim”, diz Hora. O produtor assume para si a função mais difícil do processo: trazer renovação musical ao álbum.

“Ele é como Frank Sinatra, você ainda nem ouviu e já sabe o que vai encontrar [no novo disco]”, diz. “Cabe à produção trazer coisas novas para não ficar parecendo que se copiou o disco anterior.”

As nuances, ele diz, são conseguidas sobretudo nos arranjos orquestrais. Desta vez, usou oito violinos, duas violas, dois violoncelos e uma harpa –instrumento um tanto incomum em produções de samba.

“A harpa é um luxo que pouca gente pode se dar, sai caro demais. Não só pelo transporte, mas também pelo cachê da harpista, que é diferenciado”, diz Hora. “Mas o Zeca não tem esse problema com limite de verba.”

VOVÔ

A harpa foi usada em “Orgulho do Vovô”, única música de “Vida da Minha Vida” assinada por Pagodinho (em parceria com Arlindo Cruz). É dedicada ao neto recém-nascido do cantor.

O vovô conta como o samba foi feito. “Meu compadre Arlindo foi ver o meu neto. Nós nos embriagamos mais uma vez, fizemos essa música e nem o menino ele viu. Esqueceu. Depois disso, me ligou: ‘Zeca, precisamos marcar outra cerveja pra eu conhecer a criança’.”

No resto do álbum, recorre a repertório composto pelo que chama de “família Pagodinho”: Arlindo Cruz, Monarco, Mauro Diniz, Dona Ivone Lara, Delcio Carvalho, Nelson Sargento, Nelson Rufino e Serginho Meriti, entre outros autores que vem propagando como intérprete.

“Eu não tenho afilhados. Todo mundo se torna da família Pagodinho”, diz.

O membro mais recente do grupo é o paulista Gilson de Souza, autor de clássicos como “Orgulho de um Sambista”, gravado por Jair Rodrigues nos anos 1970, e “Pôxa”, que Zeca reedita agora.

Lembrou da velha canção ao ouvi-la na rádio Tupi AM, enquanto esperava para ouvir a oração às seis da tarde.

“Eu estava procurando uma música que tivesse sido sucesso, mas que as pessoas não se lembrassem muito”, diz. “É legal porque você puxa o cara [compositor] que está lá esquecido. Puxa o cara lá do fundo.”

AnoticiaMT

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