Peculato, prevaricação, tráfico de influência, abuso de poder, transferências irregulares de presos, despachos irregulares, desobediência a instruções da Corregedoria-Geral de Justiça em relação à cautela de veículos apreendidos, preferência para processos de determinados advogados, farsa em processos e indicação do companheiro para juiz leigo. Depois da extensa lista de acusações, a juíza Margarida Elisabeth Weiler, da comarca de Anaurilândia, em Mato Grosso do Sul, foi obrigada a se retirar do Poder Judiciário do estado. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu aposentar compulsoriamente a juíza, depois de uma inspeção na vara da qual ela era responsável. Ainda cabe recurso aos tribunais superiores.
A decisão foi publicada no último dia 9 de julho. Em portaria, o presidente da corte, desembargador Paulo Alfeu Puccinelli, aplica “a pena disciplinar de aposentadoria compulsória, por interesse público”, em cumprimento a “decisão proferida pelo Órgão Especial em sessão ordinária realizada em 23/06/2010”. A decisão do Órgão Especial foi unânime.
Com a aposentadoria compulsória, Margarida receberá salários proporcionais ao tempo de serviço pagos pelo Judiciário, sem ter que trabalhar, até o fim de sua vida. Sua carreira na área jurídica, porém, está comprometida. Nesses casos, dificilmente a Ordem dos Advogados do Brasil concede inscrição ao ex-juiz para atuar como advogado. A entidade já estuda um processo de desagravo contra a juíza.
A razão do desagravo também é o principal motivo especulado para a pena máxima da magistratura. A juíza foi acusada de privilegiar o empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura em processos na Comarca de Anaurilândia. Responsável por um quarto das ações que correm na comarca, o empresário pediu liminares contra desafetos e respectivos advogados. Segundo os prejudicados, todas as liminares foram concedidas sem que as partes contrárias fossem ouvidas. O Tribunal de Justiça declarou a juíza suspeita no julgamento de processos ligados ao empresário.
Margarida estava afastada das funções desde fevereiro do ano passado, para que não atrapalhasse investigações feitas por uma equipe do TJ-MS sobre irregularidades cometidas nos municípios de Nova Andradina, Bataiporã e Bataguassu. Ela tentou anular a sindicância por meio de um recurso no Conselho Nacional de Justiça, mas o órgão negou o pedido.
A juíza já havia sido punida uma vez pela Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, como a ConJur publicou no ano passado. Foi removida compulsoriamente da comarca de Caarapó para a de Anaurilândia “por descumprir reiteradamente a lei, alterando a orientação traçada pelo tribunal em recursos judiciais”, disse o ministro Jorge Scartezzini, do Superior Tribunal de Justiça, ao rejeitar um recurso da juíza contra a decisão de remoção. Segundo o TJ-MS, ela invertia “resultados obtidos após a reforma do que ela havia decidido. Foi ela ainda punida por ter substituído decisão proferida em processo judicial por outra de outro conteúdo”.
Na época, ao analisar o recurso da juíza contra a remoção — Recurso em Mandado de Segurança 13.298-MS —, o STJ considerou que a punição foi branda e poderia ter sido maior: a de ser colocada em disponibilidade. “A recorrente foi beneficiada com a pena de remoção compulsória, em detrimento da pena de disponibilidade, que poderia lhe ter sido aplicada, já que, como assentado, eram unânimes os julgadores em apená-la”, disse o ministro Jorge Scartezzini, da 5ª Turma da corte.
Weiler responde ainda a processo movido pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que a acusa de nove crimes: abuso de autoridade, redução à condição análoga a de escravo (por três vezes), peculato, extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, prevaricação (por 16 vezes), tráfico de influência, fuga de pessoa submetida a medida de segurança e exploração de prestígio. O processo, de número 2008.10000022876, está em segredo de Justiça.
Segundo as denúncias, ela nomeou e exonerou juízes de paz desmotivadamente, decretou prisão civil sem que houvesse títulos de dívida e deferiu medida cautelar em favor da filha, que teve um carro apreendido. É acusada de manter, trabalhando em sua casa, detentos condenados à prisão em regime fechado, sob remuneração de meio salário mínimo — o que caracterizaria o trabalho escravo —, e de facilitar a fuga de um deles. Em 2002, o TJ-MS rejeitou as denúncias, mas foi obrigado a instaurar o processo depois que um Recurso Especial do MP foi aceito no STJ.
Margarida Weiler recorreu no próprio STJ e depois ao Supremo Tribunal Federal. As tentativas foram frustradas. Ela foi condenada, em primeira instância, pelo juiz de Caarapó, Fernando Cury, por improbidade administrativa. A sentença foi publicada em 2008.
Ela ainda responde a uma representação movida por advogados no Conselho Nacional de Justiça em que é acusada de favorecer o empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura. No ano passado, Bottura foi preso pela Polícia Civil de Mato Grosso do Sul por falsificação de documentos. De acordo com os advogados da ex-mulher do empresário, ele apresentou uma petição passando-se por advogado da ex-companheira, forjando um pedido para que o processo de separação e arrolamento de bens fosse encaminhado à Comarca de Anaurilândia. A situação motivou uma denúncia do Ministério Público estadual. Entre as acusações, está também a do uso de uma mesma guia de recolhimento de custas judiciais em diversos processos ajuizados pelo empresário. O juiz Paulo Henrique Pereira, da 4ª
Vara Criminal de Campo Grande, absolveu Bottura, sob a justificativa de que “o fato narrado evidentemente não constitui crime”. O MP entrou com recurso de apelação em segundo grau, mas no último mês de junho a 1ª Turma Criminal do TJ, por dois votos a um, manteve a decisão.
Conjur