Com um rebanho bovino em torno de seis milhões de cabeças, a partir da década de 1970 o Pantanal tornou-se importante produtor de carne para exportação. Nos últimos anos, a região perdeu peso econômico devido ao avanço da pecuária intensiva em outros locais. Hoje, a maior planície inundável do planeta retoma seu papel de destaque no cenário nacional por desenvolver uma criação de gado de baixo impacto.
A imprevisibilidade das cheias no Pantanal limita a quantidade de gado e o mantém dentro dos limites de uma economia ecologicamente sustentável. A pecuária tradicional pantaneira, praticada de forma extensiva, com o gado solto pelos pastos, não é considerada prejudicial ao meio ambiente. A baixa densidade de bovinos nas pastagens nativas, convivendo perfeitamente com a vegetação natural, provoca menor compactação do solo. Na ausência de outros mamíferos pastadores, exceto alguns cervídeos, o bovino não compete com a fauna original. Aliás, o gado já é parte integrante deste patrimônio natural da humanidade tombado pela Unesco em 2000.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) define sustentabilidade como “a conservação de recursos naturais e a transferência de tecnologias, de modo a garantir o alcance e a satisfação contínua das necessidades humanas para as gerações presente e futura”. Desta forma, desenvolvimento sustentável é o que degrada ao mínimo o meio ambiente, sendo tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável.
O gado bovino, criado de forma extensiva em grandes propriedades rurais, representa a mais expressiva atividade econômica do Pantanal. Há mais de 200 anos, desde a chegada dos primeiros exemplares à região, este sistema de produção tem se mostrado compatível com a conservação do Pantanal e de baixo custo, já que boa parte da alimentação do rebanho é feita por pastagens naturais e pela água das salinas (lagos de água salgada em pleno continente, sendo o sal fundamental na alimentação bovina). Porém, a comercialização do gado é apontada como um dos maiores problemas enfrentado pelos pecuaristas locais. “Apesar do baixo custo de implantação e manutenção, a pecuária extensiva ainda não agrega valor, o que leva a uma menor lucratividade do produtor que adota o sistema tradicional de criação de bovinos no Pantanal”, afirma Walfrido Moraes Tomás, pesquisador da Embrapa Pantanal.
COMPENSAÇÃO
Segundo o pesquisador, este é um dos entraves para o desenvolvimento socioambiental da região. “Defendo que o produtor que cria seu gado de forma tradicional receba, de alguma forma, um bônus pela contribuição prestada à preservação da natureza. Assim, ele não precisa vender seu imóvel para pessoas estranhas à realidade do Pantanal, a fim de sustentar sua família. É, também, uma forma de evitar que ele se entregue às ‘facilidades’ da pecuária intensiva”, comenta.
Estudo conjunto realizado pelas organizações não-governamentais WWF, Conservação Internacional, SOS Pantanal e SOS Mata Atlântica, além da Fundação Avina e da Embrapa, aponta que, entre 2002 e 2008, o Pantanal perdeu 12,4 mil km² de vegetação. Os dados mostram que o desmatamento avança mais na área de planalto do ecossistema e que 86,6% da vegetação na planície encontra-se preservada. Contudo, restam apenas 41,8% da cobertura original no planalto.
A transformação da vegetação nativa em pastagens exóticas é apontada como o grande vilão do desmatamento no Pantanal. A diferença entre o desmatamento no planalto e na planície reflete diferenças na forma de ocupação do ecossistema. Segundo a pesquisa, o planalto é fortemente ocupado pela agropecuária, enquanto na planície, a pecuária extensiva ocorre exclusivamente e isso evita a abertura de novas áreas de pastagens na região.
Apesar do crescimento do desmate verificado no período, a situação do Pantanal ainda é melhor que a de outros ecossistemas no Brasil. A Amazônia registra taxa anual de desmatamento de cerca de 7 mil km² e o Cerrado já perdeu metade de sua vegetação original.
DESAFIOS
As mudanças ocorridas no cenário internacional e a globalização da economia mostram que o Pantanal necessita ajustar seu modelo econômico às demandas da sociedade, levando-se em consideração seu potencial produtivo, com foco na conservação da biodiversidade. Para o pesquisador da Embrapa Pantanal, Luiz Marques Vieira, essa nova perspectiva de produção encontra respaldo na necessidade de se encontrar alternativas para aumentar a rentabilidade sustentável das propriedades rurais, tendo como objetivo à fixação do homem no campo, pois o modelo tradicional de criação de gado no Pantanal não mais atende aos anseios socioeconômicos do pecuarista. “Embora a pecuária extensiva de corte tenha se perpetuado por mais de dois séculos no Pantanal como principal atividade econômica, há fortes indícios de que esse panorama venha a mudar nos próximos anos. Aqueles que insistirem nesse modelo serão obrigados a vender suas terras e, como consequência, mudar de atividade”, complementa Vieira.
Do ponto de vista econômico, para que a criação de gado bovino no Pantanal seja viável e produza o mínimo de impacto ambiental, é necessário o uso de pastagens nativas e de práticas sanitárias alternativas, a fim de manter os animais saudáveis e com baixo custo de produção. O criador também deve se preocupar com a aplicação de tecnologias já desenvolvidas e validadas na região. Pensando nisso, a Embrapa Pantanal tem estudado a interação solo-planta-animal visando desenvolver métodos de avaliação e acompanhamento da sustentabilidade dos diferentes sistemas de produção, técnicas de manejo sustentável das gramíneas naturais, assim como definir medidas de manejo adaptado para sistemas convencionais e orgânicos, com base em indicadores ambientais, econômicos, sociais e de bem-estar do animal.
Nos últimos anos, a procura por carne de bovino criado a pasto (natural beef ou grass feed), tem possibilitado a alguns produtores desenvolver um nicho de mercado. “Isso aumenta a viabilidade econômica da criação de gado nas condições naturais do Pantanal, além do aumento de valor agregado [por ser orgânico, natural e alimentado somente com pasto], tornando-se atraente para os consumidores que estão dispostos a pagar por esse tipo de produto”, observa Sandra Aparecida Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal.
A pesquisadora observa ainda que se considerarmos o intenso uso de substâncias químicas no processo de produção de alimentos, o grande desafio do homem na atualidade é desenvolver tecnologias para a produção orgânica. “Esta preocupação, aliada à degradação ambiental e à vocação econômica do Pantanal, demanda o uso de tecnologias menos agressivas ao meio ambiente e mais adequadas à pecuária de corte orgânica, como o manejo sustentável das pastagens nativas.”
ABPO
Com o objetivo de se beneficiarem deste sistema natural de criação, alguns pecuaristas têm se associado valendo-se de certas tecnologias para aumentar a produtividade animal de forma sustentável. Exemplo disso é a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), criada em 2001 por pecuaristas do Pantanal que identificaram na pecuária orgânica certificada uma atividade promissora do ponto de vista econômico, ambiental e social. Atualmente, a associação reúne 20 propriedades do Pantanal Sul-mato-grossense, ocupando uma área com mais de 110 mil hectares e um rebanho estimado em 55 mil cabeças de gado.
ONGs ambientalistas, como a WWF-Brasil, reconhecem na pecuária extensiva uma alternativa produtiva que contribui com a conservação do Pantanal. Uma propriedade rural somente é certificada como de produção orgânica se atender a determinados critérios. Entre eles, o cumprimento da legislação ambiental e do código florestal brasileiro. Todas as fazendas devem possuir áreas de reserva legal e de preservação permanente. O uso de agrotóxicos é proibido e a proteção dos recursos hídricos é obrigatória.
A implantação desta alternativa trouxe a possibilidade de agregação de valor à carne do Pantanal, por meio do aumento da rentabilidade da pecuária, associada a baixos impactos socioambientais, o que garante a manutenção da biodiversidade e a preservação da cultura pantaneira.
De acordo com a ABPO, no Pantanal Sul-mato-grossense, os criadores de gado orgânico são descendentes de famílias historicamente envolvidas com o desenvolvimento da região. Hoje, são um grupo de produtores rurais preocupados com a viabilidade econômica de seus empreendimentos e com a manutenção do equilíbrio ambiental e social da região.
A carne orgânica, quando produzida com responsabilidade socioambiental, respeito ao bem-estar dos animais e sem o uso de substâncias químicas, além de atender às demandas do, cada vez mais exigente, consumidor contemporâneo, é uma forma eficaz de conservação do meio ambiente e uma alternativa de renda para os pecuaristas locais. Hoje, estima-se que o mercado paga 10% a mais pela arroba de animais orgânicos.
“Se cada produtor buscar opções e estratégias de manejo, de forma sustentável, para as condições peculiares de sua propriedade, todos têm a ganhar: o produtor, o homem pantaneiro, o meio ambiente e a sociedade como um todo”, reflete a pesquisadora Sandra Aparecida, da Embrapa Pantanal.
Este texto foi produzido pelos estudantes Elton Gabriel e Maurem Fronza, do curso de jornalismo da UFMS, em Campo Grande, que participaram do projeto “Construção da Imagem da Pecuária Sustentável do Pantanal”, visitando a fazenda Nhumirim e conhecendo de perto as pesquisas que a Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, desenvolve sobre a sustentabilidade da pecuária.
Embrapa Pantanal