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Aldo Rebelo admite corrigir imprecisões que facilitem desmatamento

por Redacao
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A cada resposta, Aldo Rebelo reforça um mesmo argumento: o novo Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como o deputado do PCdoB de São Paulo o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto, concluído após ampla discussão. As novas regras para o Código Florestal, conforme o que está escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado já admite alterar o texto para corrigir “ambiguidades” e “distorções”.

Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, xx, enfrenta a saraivada de críticas ao relatório – apontado como explicitamente favorável aos ruralistas – com uma alternância de serenidade e irritação. Explica pausadamente os pontos mais importantes, garante que analisa todas as sugestões de mudança e tenta conter o duelo raivoso entre ambientalistas e ruralistas. “As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento.” A seguir, confira íntegra da entrevista ao Correio:

O que ainda não ficou claro no relatório final, quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações equivocadas?
A legislação florestal no Brasil foi profundamente alterada nos últimos anos. O código de 1965 só previa reserva legal numa proporção de 50% na Amazônia e 20% na Mata Atlântica. Não protegia savanas, a caatinga, o pantanal e os pampas. Com as alterações, passou a proteger os demais biomas e ampliou de 50% para 80% a reserva na Amazônia. Por outro lado, a proteção de mata ciliar começava com 5 metros e terminava com 100 metros. Houve alteração para uma proteção mínima de 30 metros e uma proteção máxima de 500 metros. As áreas de preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002, deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país, a criação de gado no pantanal, de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. A obrigação da averbação de reserva legal na pequenas propriedades praticamente inviabilizou essas propriedades, causando êxodo rural e transferindo um problema social e ambiental do campo para a cidade. Por todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação, para proteger o meio ambiente e também impedir o êxodo rural e a concentração da terra.

O senhor constatou que realmente a necessidade de se manter áreas preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades?
O jovem não quer mais permanecer na roça, porque a renda é muito baixa e o acesso à educação, à saúde, à cultura e à vida social é mais difícil do que na cidade. Além disso, como a legislação ambiental impõe a recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades, a um custo que o produtor não tem condição de pagar – a recomposição de um hectare varia de 10 a 15 mil reais –, o proprietário prefere sair da área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia das cidades. Eu vi isso em todos os estados que visitei. Muitos assentados estão sem crédito porque não conseguem averbar a reserva legal. Noventa por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma agricultura ainda quase pré-capitalista, semi-capitalista, sem uma renda elevada. Não é aquele agricultor que tem 200 mil hectares de soja, ou 200 cabeças de gado, e que nem mora no campo. Este é um investidor rural, que mora na cidade, é um empresário que tem terras.

Quais pontos considera cruciais no relatório? O texto foi muito atacado porque, segundo os críticos, não traz o equilíbrio entre preservação ambiental e produção agropecuária.
Primeiro é preciso destacar que algumas organizações não-governamentais atacaram o relatório, mas muitas entidades defenderam, como a Contag e a Força Sindical. O que é mais importante no relatório, e que a legislação atual não assegura, é uma moratória de cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, nós não vamos permitir a abertura de nenhuma nova área para a agricultura e para a pecuária. A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro. O compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do relatório. Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, as áreas que já foram ocupadas, cuja recomposição é quase impossível. Alguns estados não têm estoque para recomposição, como é o caso de São Paulo, Rio Grande do Sul e dos estados do Nordeste.

Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz?
O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande proprietário.

Mas isso somente no período da moratória?
Não somente nesse período. Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu acolho. Nem o pequeno nem o grande estarão autorizados a se desfazer de nenhuma área de vegetação nativa.

O senhor concorda que ficou uma dúvida em relação a isso? Esse é um ponto passível de mudança, para que fique mais claro na legislação?

O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades. Pode ser feito até mesmo um cadastramento da mata que exista por lá, e o proprietário se compromete a preservar.

Haverá uma modificação do texto nesse sentido?
Se for para ficar mais claro, não tenho dúvida nenhuma. Os consultores que redigiram, com preocupação deles e minha, acham que não há problema de falta de clareza. Mas tanto eles quanto eu estamos dispostos a deixar mais claro, talvez acrescentando uma expressão que nós examinamos: “exclusivamente para efeito de recomposição”.

Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas grandes propriedades. O Ministério do Meio Ambiente chegou a fazer as contas sobre as perdas de vegetação em razão desse mecanismo. Também há dubiedade nesse ponto?
Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem (quarta-feira, 23) à noite. O que houver de dúvida em relação ao compromisso do relatório com a preservação da vegetação, temos interesse em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em qualquer ambiguidade da redação, possa usar o direito de se desfazer da vegetação nativa. Vou passar o fim de semana examinando as sugestões do ministério para ver o que posso acolher, no sentido de deixar o relatório mais cristalino.

Foi a própria ministra Izabella Teixeira que apresentou as sugestões?
Eu falei com ela, secretários executivos e um grupo de técnicos do ministério. Deixei claro a eles que meu objetivo é trabalhar com a consolidação das áreas e correção do passivo existente.

O senhor mesmo pode fazer as alterações no projeto ou é necessário que alguém provoque isso?
Eu posso fazer, mas pedi que deputados e entidades enviem sugestões. O relatório não é um projeto grande, são apenas 50 artigos, e alguns deles repetem a legislação anterior. Qualquer cidadão pode enviar sugestões para eu analisar e apresentar à comissão.

A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente adiada, em meio a debates acalorados entre ambientalistas e ruralistas. Há alguma razão para esses adiamentos? Foi um pedido para que o relator possa avaliar melhor o projeto?
A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho. Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da própria comissão e de ministérios.

O relatório deve ser votado ainda neste semestre?
Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu essa comissão há quase um ano. Os prazos já foram esgotados várias vezes. A resolução do Conama de 2002, por exemplo, que colocou produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.

O relatório que será votado na comissão especial pode ser diferente do atual?
Pode, com correções das ambiguidades e maior clareza quanto à consolidação, de um lado, e à proteção efetiva, de outro. Não deve haver dúvidas quanto ao desmatamento zero nas propriedades. Muitas agressões contra o meio ambiente acontecem por ignorância. Eu nasci na roça, e nunca ouvi falar que precisava manter uma mata ciliar. As pessoas não sabiam disso, só queriam chegar perto da água para plantar macaxeira, inhame, batata. Não adianta pensar que o meio ambiente será preservado em 5.600 municípios brasileiros a partir de Brasília. A Polícia Federal faz uma operação, chega em helicóptero, prende as pessoas, e depois vai embora.

Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um desmatamento maior com esse mecanismo?
Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento. Não haverá desmatamento. Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a regularização de áreas onde não há estoque de vegetação. A legislação atual já permite somar APP e reserva legal na Amazônia. O que se permitirá é o regime de servidão: o proprietário poderá alugar reserva legal para quem não tem. Se houver dúvida nesse artigo, nós vamos deixar claro que não está autorizado qualquer tipo de desmatamento.

O senhor tem criticado essa briga que se instalou na comissão especial entre ambientalistas e ruralistas, e foi bem duro com as ongs ambientais internacionais, enquanto dedica o relatório aos agricultores brasileiros. Como o senhor analisa o comportamento dos ambientalistas? E acredita acredita que o relatório esteja sendo usado como instrumento de interesses do agronegócio?
Homenagear os agricultores é homenagear uma parcela do nosso país, a quem devemos muito. Eu homenageei também os ambientalistas, dedico a eles um belo poema de Castro Alves, chamado A Queimada. Noventa por cento das ongs merecem respeito e nós devemos a elas as denúncias de crimes ambientais no país. O que distingo são ongs com sede no exterior e que vêm ao Brasil para defender os interesses de seus países. Eu tenho o direito de pensar dessa forma porque existe uma guerra comercial na agricultura mundial. Essas ongs defendem os interesses dos agricultores ricos dos seus países. Não me peçam que, quando houver conflito de interesse entre o produtor de soja do Brasil e o produtor de soja dos Estados Unidos, eu fique do lado do americano. Nós devemos proteger a agricultura no que ela tem de bom e criticar o que ela tem de socialmente atrasado. 

Correio Braziliense

Foto: Ciete Silvério/Folha Imagem

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